Crédito automotivo, sim, superendividamento, não

Por Maria Inês Dolci

O governo federal projeta, às vésperas de uma acirrada eleição presidencial, aumento de 20% no volume de financiamento para a compra de veículos. Nem vou entrar nas questões macroeconômicas – de um lado, juros altos para conter a inflação, de outro, mais crédito.

Tratamos, aqui, dos direitos e dos interesses dos consumidores. É evidente que melhorar a oferta de crédito automotivo facilita a aquisição do carro zero. E que, com isso, mais pessoas terão acesso a veículos com air bag duplo frontal e freios ABS (que se tornaram obrigatórios nos carros novos, a partir de janeiro último).

Para a segurança automotiva, portanto, muito bom. Também aquece um importante segmento da economia, que representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto, e quase um quarto da riqueza produzida pela indústria.

Do ponto de vista de quem vai assumir uma dívida, porém, recomendo cautela. O superendividamento é um fantasma que costuma aparecer à luz do dia, para ameaçar milhões de brasileiros. Não pode ser subestimado.

No artigo anterior, tratamos dos cuidados para comprar carro usado. Agora, completamos com a atenção sugerida ao adquirir um zero quilômetro.

Em primeiro lugar, temos que verificar quanto por cento de nossa renda (todo o ingresso de dinheiro, ou seja, salários, bônus, rendimento de ações, de aluguéis, pró-labore) já está comprometido com alimentação, saúde, educação, moradia, transporte e prestações. Quem tiver aplicações financeiras, poderá pagar o total ou a maior parte do carro à vista, sem contrair dívidas.

Outro alerta: não existe juro zero. Exija o Custo Efetivo Total (CET) da transação, com tudo o que será cobrado de você. Novamente, talvez valha mais a pena juntar o dinheiro, principalmente se você fizer jus a 13º salário e adicional de férias. Melhor ainda se, na empresa empregadora, houver programa de participação nos lucros.

Nem sempre fará muita diferença tecnológica ou de conforto com o novo carro. Refiro-me a quem tenha modelos deste ano ou de 2013. A desvalorização do usado será grande, e as mudanças talvez não compensem o gasto adicional.

Se a situação profissional for estável, e sobrar dinheiro depois dos compromissos mensais, compare preços, ofertas e modelos com características similares. O item segurança deve ser o mais importante, porque poderá fazer a diferença no caótico trânsito nas ruas e estradas do país.

Geralmente, há preocupação maior com a aparência, potência, acessórios, gastos com combustível e manutenção, do que com segurança. Hoje, porém, deveríamos considerar, também, se o veículo tem luzes de acendimento automático com tecnologia LED; crash Box (item que absorve 90% da energia de uma colisão, sem deformar peças estruturais do carro); sistema de freios com controle de estabilidade (ESP) e sistemas de fixação de cadeirinhas infantis (Isofix ou Top Tether).

Até porque a compra do carro zero consumirá, pelo menos, de R$ 25 mil a R$ 40 mil. É, normalmente, o segundo maior compromisso financeiro de uma família, depois da casa própria.

Uma parcela de R$ 500,00 pode não parecer expressiva nem pesada em um financiamento de 48 meses, para uma renda familiar de classe média. Há que considerar, porém, que o proprietário de um carro também tem de pagar Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), licenciamento, seguros (obrigatório e particular), combustível, estacionamento, manutenção e multas, que aumentarão consideravelmente esta conta.

Moradores de São Paulo também devem avaliar a conveniência de investir em um carro novo frente às restrições que a Prefeitura Municipal tem imposto ao transporte particular, como as faixas exclusivas para ônibus (além dos corredores), aumento da tarifa da Zona Azul (estacionamento em determinadas vias da cidade), limitação de vagas nas garagens dos futuros prédios.

Volto ao início deste texto: se não tiver condições, adie a troca do automóvel. Dívida impagável nunca vale a pena.