Não é de hoje que a relação entre defesa dos direitos do consumidor e a Justiça enfrenta nuvens de incompreensão.
Em alguns casos, evidentemente, prevaleceu o interesse da coletividade, como quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu que as instituições financeiras teriam, sim, de obedecer ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), do qual pretendiam se afastar por motivos óbvios.
Em outros, não, como foi o caso da decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que concedeu liminar desobrigando as empresas de telecomunicações de cumprir parte das regras determinadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que entraram em vigor no mês passado.
É incompreensível que as teles – que são as campeãs de queixas nas entidades de defesa do consumidor – tenham conseguido, judicialmente, se eximir de fazer coisas óbvias, como retornar imediatamente as ligações feitas aos call center que foram interrompidas. Além disso, não necessitam mais estender aos clientes antigos benefícios idênticos aos oferecidos na captação de novos usuários.
Com a decisão do TRF1, as empresas também ficaram isentas de prestar informações sobre o plano de serviço no ato de contratação, e agora podem cobrar pelo restabelecimento da prestação de serviço.
Ainda bem que o cancelamento automático dos serviços, sem necessidade de falar com os atendentes, foi mantido.
Segundo a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp), 120 dias não foram suficientes para atender o que foi estipulado pela Anatel.
Na verdade, elas já deveriam adotar estas práticas para atender bem seus consumidores, antes mesmo de serem obrigadas a isso. Não só não o fazem, como ainda vão à Justiça para se livrar destas incumbências.
A interlocução das entidades públicas e privadas de defesa do consumidor com o Judiciário, portanto, continua fluindo parcialmente, talvez pela complexidade e pelas frequentes mudanças nas relações de consumo.
O CDC, não me canso de repetir, é uma obra-prima! Um conjunto excelente de leis que conseguiu dar régua e compasso aos direitos do consumidor. Em pouco mais de 20 anos, dotou os cidadãos de instrumentos para se defender de abusos praticados em situações como a compra de um bem ou serviço.
Resolvido o aspecto legislativo, há que avançar em termos executivos e judiciais.
Mostrar nossos argumentos em favor da parte mais fraca nessa relação comercial – por exemplo, a pessoa que utiliza os serviços de telefonia fixa e móvel.
É claro que podem (e devem) ocorrer reviravoltas neste caso. Não é possível que o consumidor perca direitos recentemente adquiridos porque as teles não consideraram as regras suficientemente claras.
Trabalhamos – todos nós que atuamos na defesa do consumidor – para que a balança da Justiça penda mais para o consumidor. Acredito que seja o futuro dessas relações, embora não o presente nem o passado.
Isso exige mais mobilização e diálogo. Respeitamos a Justiça e seus executores. Nem sempre, contudo, concordamos com suas decisões, um direito democrático inalienável.
O grande desafio é mudar este quadro, porque grandes corporações dispõem de verbas para manter equipes imensas e qualificadas de advogados. As entidades de defesa do consumidor lutam com parcos recursos para manter suas atividades diárias.
Temos, porém, o apoio dos brasileiros, pois eles percebem que suas vidas podem melhorar, se seus direitos forem respeitados. E essas pessoas também são eleitoras. É essencial, então, que avaliem as campanhas dos candidatos a cargos eletivos e que considerem, dentre outras questões, de que forma encaram as relações de consumo.
As leis podem ser aperfeiçoadas sempre para nos proteger da força de grupos poderosos financeira e institucionalmente, como as teles.
Há que trabalhar muito e somar forças, porque novos direitos estarão sempre na alça de mira de quem quer o lucro (o que é compreensível), com pouco foco na qualidade do atendimento prestado (o que é inaceitável).