Por que eu não fiquei surpresa com o adiamento das multas para as lojas que não informarem os tributos na nota fiscal? Porque os governantes adoram postergar leis ou sanções que aumentem a transparência nas relações com os cidadãos. Ainda mais quando os contribuintes brasileiros têm de trabalhar cinco dos 12 meses do ano para pagar impostos. Na defesa dos direitos do consumidor, esta tem sido a regra – proteger os fortes contra os mais fracos.
Traduzindo, opção preferencial pelos empresários em detrimento dos cidadãos que compram produtos e serviços. O interessante é que o governo federal não patrocinou, até hoje, uma ampla reforma tributária e fiscal. Desonera alguns segmentos da economia, mas não ataca os problemas principais: gastos públicos excessivos e desperdício de recursos financeiros para continuar no poder. Também por esse motivo, não me surpreendo que as autoridades não tenham pressa na exposição da carga tributária em produtos e serviços que adquirimos ao longo dos dias. Ficaria mais clara a brutal ‘mordida’ em nossos bolsos. E que pagamos muito mais do que deveríamos, porque o mercado se limita a quem tenha mais renda para bancar tais preços.
Com isso, é difícil ter escala de produção e vendas. Economistas de renome sustentam que o ideal seria cobrar menos tributos de mais pessoas, que chegariam ao mercado de consumo não apenas via endividamento familiar.
Escrevi no artigo da semana anterior que a nota fiscal com impostos detalhados seria uma das grandes notícias de junho. Pois é, não será. Talvez o seja em janeiro de 2015, se nada mudar, novamente, até lá.
Sem multas, por que a maioria dos comerciantes adotaria a nota fiscal com impostos detalhados? Postergar conquistas é algo muito triste. Desanima eleitores já inquietos devido ao raquítico crescimento econômico, e frustrados com as obras de mobilidade prometidas para a Copa do Mundo deste ano, que não saíram do papel.
Quase tivemos dissabor semelhante em relação à obrigatoriedade de os carros novos saírem de fábrica com freios ABS e airbag frontal duplo. Houve uma ameaça de recuo, a opinião pública chiou, e a medida entrou em vigor em janeiro último. Não há dúvidas de que salvará milhares de vidas, ao aumentar a segurança automotiva. Como cogitar não colocar uma lei destas em vigor no prazo previsto? Não sei.
Agora, os comerciantes alegam que não conseguiram se adaptar à exigência da transparência fiscal. Tiveram muito tempo para isso, pois a legislação é do ano passado. Adiar sua vigência é um claro exemplo de desrespeito ao consumidor, cometido pelos que batem no peito e afirmam ser a única saída para evitar o choro e ranger de dentes. É absurdo similar ao aviso de que, vejam bem, os celulares e outros dispositivos não funcionarão adequadamente em algumas arenas da Copa. É difícil encontrar maior atestado de incompetência. Ou de inoperância, desinteresse, menoscabo – no dicionário, desdém, desprezo e aviltamento.
Depois de elogiar a nova nota fiscal, e de comemorar sua efetividade, é lamentável ter de dizer que começo a duvidar de que saia do papel para o mundo real. Pior ainda, é não achar tal situação inédita, do outro mundo. É dura a vida de quem defende os direitos do consumidor, em tempos bicudos como o atual.
Retrocesso é uma palavra leve para definir o que vivenciamos. Algo como a aceitação dos mandonismos da Fifa, em troca da realização da maior competição mundial do futebol. Ou como a sugestão do jegue, como meio de transporte, para quem exige metrô para chegar aos estádios. As coisas são assim, têm sido assim, não precisam continuar assim. Não há nenhuma razão para isso. A não ser que você goste, e assine embaixo.