Um dos princípios mais relevantes do Código de Defesa do Consumidor (CDC) é a responsabilidade objetiva e solidária. Significa a divisão de responsabilidades entre fornecedores de produtos e serviços.
O artigo 7º do CDC não poderia ser mais claro: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.
Trato disso porque esse princípio foi totalmente desconsiderado na regulamentação das agências de turismo. A lei aprovada – sancionada com vetos pela presidente Dilma Rousseff – isentava as agências de responder pelos serviços prestados por hotéis e companhias aéreas, nos pacotes turísticos vendidos aos clientes.
Ora, se uma agência oferece um pacote com hospedagem, passeios, alimentação e transporte, o consumidor está adquirindo mais do que esses serviços. Está pagando pela experiência da empresa e por seu conhecimento de mercado. Confia, portanto, nos prestadores indicados pela agência. Caso contrário, seria mais negócio pesquisar diretamente os fornecedores e correr eventuais riscos, sem remunerar um prestador especializado na área.
Vejamos um exemplo de outro segmento comercial. Quando uma loja expõe móveis de determinadas marcas, assume compromisso implícito com o consumidor, de que os fabricantes são confiáveis. Da mesma forma, ao comer em um restaurante, partimos do pressuposto de que os ingredientes sejam de boa qualidade, embora não saibamos os nomes de quem produziu os legumes, as verduras, as carnes, as frutas etc.
Não entendo como uma lei destas foi aprovada, contrariando um código vigente há mais de 20 anos. Ela abriria espaço para que turistas fossem lesados e tivessem grande dificuldade para obter ressarcimento do que foi pago, ou outras formas de reparação.
Isso mostra como há sempre alguma iniciativa para reduzir os direitos do consumidor. Tais atos lembram-nos a inflação: parece totalmente controlada, mas bastam alguns erros de política econômica, combinados a fenômenos como a seca dos últimos meses, para que apresente novamente suas garras.
E mais: novamente, dois projetos de lei (um na Câmara e outro no Senado) tentam liberar a cobrança de preços diferenciados para as compras pagas com cartão de crédito. Já houve outras tentativas semelhantes, mas defendemos que cartão continue sendo igual a dinheiro.
São lições para todos nós, que militamos na defesa do consumidor, tanto em entidades privadas quanto públicas. Não podemos nos descuidar. Como ensinou o cantor e compositor Guilherme Arantes, na música ‘Cuide-se bem’: “Perigos há por toda parte, e é bem delicado viver, de uma forma ou de outra, é uma arte, como tudo…”.
Havia mais problemas na regulamentação das agências de turismo, o que demonstra a força do lobby destas empresas no Legislativo brasileiro. Por exemplo, foi vetado também artigo que instituía velada restrição à atuação de companhias estrangeiras, bem como o que obrigaria o cliente a remeter valores ao exterior por intermédio da agência de turismo responsável pela promoção, organização ou contratação dos serviços.
Duas reservas de mercado, portanto, camufladas na regulamentação.
Há quem diga que os turistas só não foram prejudicados por causa da Copa do Mundo. Seria, então, uma consequência benéfica da competição.
O turismo é uma das atividades que mais geram empregos e renda no mundo, com oportunidades para profissionais de vários ramos, de maior ou menor escolaridade. Se o Brasil conseguir melhorar sua infraestrutura, especialmente em mobilidade e segurança, poderá se tornar uma potência turística sem igual, em função de suas belezas naturais, variedade climática e cultural.
Não há porque prejudicar o consumidor, contudo, restringindo seus direitos e dificultando sua vida. Ao contrário, quanto mais protegidos os turistas se sentirem, maior será o retorno para as empresas que atuem nesta área.