A Copa do Mundo de Futebol finalmente vai acontecer no lugar onde o futebol é sempre mais interessante: nos gramados. Ela já deixou uma herança valiosíssima para o Brasil, mesmo antes do apito inicial das partidas: a consciência de que os serviços públicos podem e devem ter o que se convencionou chamar de ‘Padrão Fifa’.
Quem não entendeu esse recado, manifestado pelas pessoas nas ruas e avenidas do Brasil, que trate de se atualizar.
Infelizmente, não fizeram as obras de mobilidade, os aeroportos estão mais ou menos, e nem os estádios de futebol, com uma montanha de dinheiro, ficaram todos prontos conforme o esperado.
O tal padrão Fifa, porém, surgiu como ironia, depois como um adjetivo que colou nos corações e mentes. Não que a Federação Internacional de Futebol seja perfeita; longe disso. Mas cobra os governos de países como o Brasil, quando não cumprem o que foi combinado.
Por enquanto, os cidadãos têm se mobilizado em função de péssimos serviços públicos. Uma coisa, porém, contamina outra.
Por exemplo, as operadoras de telefonia são empresas privadas. As companhias aéreas, também. Os serviços que prestam, porém, afetam as vidas de milhões de brasileiros. Há mais celulares do que habitantes. Os negócios e o turismo dependem muito dos transportes aéreos.
A paciência com as falhas, o descaso e o desrespeito tende a se esgotar. Talvez não chegue a provocar protestos como os ocorridos em junho do ano passado. Vai, entretanto, incomodar os grupos que dominam as mais diversas áreas da economia brasileira.
Ao adquirirem consciência de serem cidadãos, e de que podem exigir dos governos um retorno mais adequado do que pagam em impostos, taxas e contribuições, as pessoas também se lembrarão de que são consumidores.
Ou seja, aqueles que, ao adquirir produtos e serviços, geram a riqueza que ajuda o país a seguir em frente.
Sempre enfatizo que temos vários papeis na sociedade. Somos cidadãos, eleitores, contribuintes e consumidores. Tudo isso se completa, e é interligado.
A Copa do Mundo não é travada, consequentemente, apenas nas 12 cidades-sede, nos estádios caríssimos. O jogo ocorre em todo o país, que participa, vibra, critica, exige e não se conforma.
Ultimamente, o governo federal tem falado em herança que continua após o evento, insistindo na fábula da mobilidade. Ora, ninguém aceita mais ser iludido, nem tratado como bobo.
Aprendemos, a duras penas, que dá resultado criticar e exigir nossos direitos. Não de imediato, do dia para noite, mas é um processo que se desenvolve e fica mais forte.
A Fifa avançou sobre as leis brasileiras, passando por cima do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumidor. Assim, por exemplo, conseguiu a liberação do consumo de cerveja (do seu patrocinador) durante os jogos.
Foi uma submissão, enquanto os cronogramas de obras se perderam no tempo e no espaço.
Não sei como a Seleção Brasileira se sairá em campo. Torço da mesma forma que 200 milhões de habitantes. O que posso dizer, antes do dia 12 de junho, do primeiro jogo da competição, é que aprendemos muito nestes sete anos decorridos entre o anúncio da Copa no Brasil e sua realização.
Aprendizado é algo que nunca se perde. As relações de consumo vão ganhar novos contornos também em função disso.
Pode parecer otimismo em excesso, porém não acredito que as reclamações parem por aí. É óbvio manifestações não combinam com violência. Que nossas insatisfações sejam expressas sem ultrapassar os limites da civilidade.
Veremos como essas questões se desenrolarão. Olho vivo no padrão Fifa!