Portabilidade de crédito sairá do papel?

Por Maria Inês Dolci

Cinco de maio de 2014 poderá entrar para a história das relações de consumo como o dia em que os bancos começaram, realmente, a concorrer entre si, com inequívocos benefícios para seus correntistas.

Nesta data, entrarão em vigor as normas que o Banco Central estabeleceu para ajustar a portabilidade de crédito, criada em 2006, mas que nunca deslanchou de verdade.

Não se consolidou porque os bancos têm travado, até hoje, uma guerra silenciosa de desinformação, a fim de dificultar a migração dos empréstimos.

Uma das principais mudanças estabelecidas pelo BC foi a fixação de um prazo máximo de cinco dias úteis para que a instituição financeira credora faça uma contraproposta ou libere o crédito, a partir da manifestação do interesse do seu cliente por esta transição.

Foram padronizados, também, procedimentos e prazos destas operações.

É essencial, contudo, que o consumidor compare o Custo Efetivo Total (CET), ou seja, todas as taxas e encargos cobrados em seu contrato atual, e as oferecidas por outras instituições. Há casos em que os juros são menores, mas o CET é maior.

A expectativa é que, com o aperfeiçoamento das regras, os correntistas pesquisem e encontrem melhores condições para seus empréstimos. E que negociem condições mais confortáveis para suas dívidas.

Isso só funcionará, contudo, se as pessoas fizerem valer este direito.

A ideia da portabilidade é não deixar o cliente eternamente amarrado a uma dívida, que às vezes foi contraída nas piores condições possíveis, em função de sua urgência. O órgão regulador pretende, com as novas normas, forçar os bancos a cumprir um de seus principais papéis – o de fornecimento de crédito –, algo que era muito difícil na época da hiperinflação.

O registro eletrônico de todas as operações de portabilidade também tende a simplificar o processo e deverá dar mais transparência às negociações entre clientes e bancos. As informações serão obrigatoriamente transmitidas ao BC.

É digno de nota que o principal órgão de regulação financeira do país adote medidas que beneficiem o consumidor – como o CET e a portabilidade –, enquanto outras agências reguladoras só enxergam os interesses das empresas.

Esse tipo de resolução é importante para evitar que os cidadãos sejam esmagados pelo poder dos bancos. Além disso, não se pode esquecer que parte expressiva dos brasileiros está muito endividada. Eles teriam muito a ganhar se melhorassem os perfis dos seus compromissos financeiros.

O fim do superendividamento, contudo, não depende somente do acesso à portabilidade. Se os gastos não forem planejados e contidos, alguém que melhorou o custo de seus empréstimos talvez volte a dever muito no futuro.

Viver dentro de suas posses parece um grande desafio – e, muitas vezes, é –, mas não há outra saída. Ainda mais quando se sabe que muitas pessoas gastam excessivamente em produtos e serviços supérfluos.

Por que financiar um automóvel caro, agora, se for possível guardar dinheiro e investi-lo para adquirir este bem à vista, dentro de alguns meses? Qual a necessidade de fazer uma viagem turística internacional ainda este ano, se houver condições de adiá-la para um momento mais propício, em termos de renda e de poupança?

O consumismo desenfreado é cada vez mais prejudicial em um país caro como o Brasil, devido às cargas tributária e fiscal, ao peso da burocracia e à concentração de mercado em torno de poucas empresas.

Consumo consciente e portabilidade podem ser as chaves para nos libertar das dívidas. Vamos ter de aprender, evidentemente, a negociar e a comparar custos, mas esse é o preço que haveremos de pagar para ter uma situação financeira mais tranquila.

Por isso, torço tanto pelo sucesso da portabilidade em todas as áreas, inclusive na financeira.