Três casos de descaso

Por Maria Inês Dolci

Caso 1

Basta chover forte e ventar, e pode escrever, muitas ruas e até regiões inteiras ficam sem energia elétrica em São Paulo. O assunto é tratado como se fosse um daqueles fenômenos aos quais somos sujeitos. Não é bem assim. Não é fenômeno, é ‘empurrômetro’.

O município de São Paulo tem uma lei, nº 14.023, de 2005, que determina que sejam enterrados 250 km de fios e cabos por ano (de energia elétrica, telefonia, TV a cabo etc.).

Essa lei é totalmente descumprida, como se não existisse. O motivo alegado pelas empresas para não fazer o que deveriam: custaria muitos bilhões de reais. Logo, resolveram não fazer, e pronto. Em reunião no ano passado, para discutir o assunto com a prefeitura de São Paulo, a Agência Nacional de Energia Elétrica, vejam só!, ficou do lado das companhias, como costuma ocorrer sempre.

Caso 2

No ano passado, em julho, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso editasse em 120 dias a Lei de Defesa do Usuário do Serviço Público. Atendia à solicitação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Sim, porque os consumidores contam com seu código, o CDC, para normatizar as relações de consumo de produtos e serviços.

Mas nada garante que a área pública tenha de responder por serviços inadequados, interrompidos, postergados etc. Da determinação do STF até o momento em que escrevo este texto, passaram-se não 120, mas 240 dias, portanto, e onde está a lei?

Como diz a canção Conceição, imortalizada por Cauby Peixoto, “se subiu, ninguém sabe, ninguém viu”.

Caso 3

O governo federal bateu bumbo, em março de 2013, sobre a ampliação de direitos do consumidor. Anunciou a elaboração de uma lista de produtos que teriam imediata troca, em caso de defeitos de fabricação.

Bacana, se tivesse saído do papel. A tal lista não foi divulgada, o que nos faz entender que não foi elaborada. Ainda se concretizará? Quem sabe, não?

Esses três casos de descaso são apenas alguns exemplos de como fica o dito pelo não dito, as coisas não acontecem e ninguém – ou quase ninguém – cobra.

É tão fácil multiplicar leis, anunciar medidas, dizer que, em breve, tudo vai mudar.

Depois, quando tudo continua como dantes, deixa para lá, é muito caro, é difícil, prejudica os negócios, provoca transtornos, a economia não suporta, e desculpas esfarrapadas semelhantes.

A dificuldade para aprovar o Marco Civil da Internet nos faz lembrar que quem pode mais, chora menos. Ou, para empilhar velhas máximas da sabedoria popular, quem quer faz, quem não quer, manda.

Às vezes, temos a impressão de que sopra um vento renovador, que limpa os ares e promove boas mudanças. “Agora vai”, comentam os otimistas. “É jogo de cena”, contrapõem os pessimistas.

Não me alinho a nenhuma dessas correntes. Sei, por experiência, que transformar a realidade, quando esbarramos em vantagens e benefícios de uma minoria forte, demora e é uma dura queda de braço.

Ninguém abre mão de espaços e ganhos, legítimos ou não. O poder não é partilhado, exceto se o outro lado conseguir equilibrar o jogo.

Enquanto isso, os fios e cabos continuam expostos às intempéries, e nós sujeitos a apagões. Os produtos com defeito não são trocados imediatamente. E os governos prestam maus serviços impunemente.

Se nem sequer cobrarmos isso, bem, este quadro só ficará pior. Reclamar pode não resolver os problemas rapidamente, mas manifestará inconformidade com o que estiver errado. Somos chamados de chatos, porque temos sempre algo a reivindicar. Na defesa dos interesses do consumidor, não há outro caminho.

“Deixa que digam, que pensem, que falem…”