Zoeira aérea

Por Maria Inês Dolci

Usar ou não o telefone celular durante os voos? Essa discussão voltou a ocorrer porque, nos Estados Unidos, foi aprovada resolução da Comissão Federal de Comunicações (FCC) para que seja revogada a proibição vigente nos últimos 22 anos.

Em termos tecnológicos e de segurança, não haveria mais razão para proibir as chamadas nos aviões. Mas esse não é o único fator em discussão.

Como ficarão os passageiros que quiserem ler, dormir um pouco ou simplesmente descansar durante o voo se centenas de celulares forem utilizados ao mesmo tempo?

Não há solução, portanto, que contente a todos. No Brasil, as pessoas falam ao celular em qualquer ambiente, inclusive em meio a reuniões, palestras e, não raro, no cinema e no teatro, em que pesem as orientações em contrário.

Nas calçadas, no metrô e nos ônibus, temos de nos desviar dos que estão conferindo e-mails, torpedos ou conversando.

Não há dúvida, portanto, de que os aviões se tornariam locais ruidosos, talvez insuportáveis, com todos usando seus celulares ao mesmo tempo.

Permitir torpedos e e-mails, contudo, já resolveria parte da necessidade de comunicação, digamos, e não sobrecarregaria os ouvidos de ninguém, especialmente se fosse exigida a supressão dos sinais sonoros.

Parece uma postura ranzinza, antitecnológica e antiquada? Não, há que evitar eventuais discussões provocadas por aqueles que não se sintam confortáveis com tanta falação.

O bom senso deve imperar neste debate. Posições totalmente contrárias ou favoráveis à liberação destes aparelhos tendem a provocar insatisfação.

Há que considerar, também, que um avião não tem salas restritas, exceto para a tripulação. A exposição pública de determinadas conversas – por exemplo, brigas de namorados –, em tom de voz elevado, é constrangedora. Isso já se verifica no transporte coletivo e nos espaços públicos.

Seria, portanto, outro ponto a favor das mensagens de texto. Elas são sigilosas. Não obrigam terceiros a saber o que familiares, amigos e colegas discutem.

Nem estaríamos tratando desse tema se nossas relações se caracterizassem por normas de conduta menos invasivas.

Obviamente, antes que alguém me diga, reconheço que também uso constantemente meus celulares, o que talvez incomode outras pessoas.

Não falo, portanto, como ‘outsider’ diferenciada.

A verdade é que nós, brasileiros, gostamos de falar, de trocar e-mails e torpedos.

Vamos acompanhar as discussões sobre a questão nos Estados Unidos, que devem durar mais um ano.

Uma boa ideia seria as companhias aéreas brasileiras fazerem uma pesquisa com seus clientes, para saber o que preferem, em relação ao uso ou não de celular nas nuvens.

Dilemas como este decorrem de uma época em que os limites de nossas vidas são ultrapassados rapidamente pela tecnologia, pelo fim das fronteiras, pela instantaneidade da comunicação e da informação.

Certamente, os jovens sabem lidar muito melhor com isso do que quem nasceu antes da sociedade altamente conectada.

Mudam os conceitos de privacidade e de direitos do próximo. Não estamos tão preparados para nos deparar com estes desafios.

Lembro, contudo, que muitos passageiros desligam seus aparelhos no último segundo, após alerta do pessoal de bordo. Por que os manteriam desligados se não fosse expressamente proibidos?

Em voos, há idosos, crianças, bebês e pessoas com problemas de saúde. Há aqueles que transitam entre reuniões, ávidos por oportunidades para fechar negócios. Há apaixonados que necessitam de contato frequente com seus amores. E pais preocupados com os filhos distantes.

Do ponto de vista exclusivo do consumidor, a queda de braço promete várias rodadas. Provavelmente, a discussão possa ser comparada à do cigarro, inicialmente relegado a uma área especial das aeronaves, depois banido totalmente de todos os locais fechados, inclusive aviões.