É difícil acreditar que governos ‘compensem’ bancos por pretensas perdas, quando se sabe que os lucros das instituições financeiros têm sido bilionários nos últimos anos. Mas o Banco Central decidiu ‘indenizar’ os bancos para que a portabilidade financeira (transferência de empréstimos) saia do papel. Os detalhes desse acordo, que ainda terá de receber aval do Conselho Monetário Nacional (CMN), foram divulgados pelo jornal O Globo, na última quarta-feira.
Ora, tal compensação se assemelha a pagar um chope para o motorista a fim de que não dirija embriagado. Os pedágios previstos vão na contramão da ideia da portabilidade. E, como mau exemplo se espalha rapidamente, o risco é que as teles e as operadoras de planos de saúde, empresas de duas áreas em que há portabilidade, também queiram receber algum dinheiro para transferir clientes.
Nos casos de crédito imobiliário, a migração será recompensada por dois mil e quinhentos reais. Crédito consignado repassado significará cerca de trezentos reais aos cofres dos banqueiros.
O argumento é risível: bancos pequenos teriam de arcar com custos de para abertura do primeiro contrato. Convenhamos, empresas financeiras não fazem nada sem cobrar regiamente. Prova disso são os resultados dos balanços dos bancos, sempre no azul, enquanto as indústrias de diversos ramos, por exemplo, amargam retornos pífios ou até prejuízos.
Evidentemente, a conta será espetada no bolso do correntista, como sempre. Se não repassarem as taxas a eles, ao menos o valor pago pelo banco que conquistar o cliente, esse valor será abatido da queda de juros concedida.
Não há nenhum sentido em tamanha bondade, ainda mais às vésperas de um período eleitoral. É difícil encontrar explicações que não sejam desagradáveis ou estranhas.
Há segmentos da economia brasileira que cambaleiam, asfixiados pela derrama tributária e fiscal. E que já se assustam, por exemplo, com a paulada que receberão no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de São Paulo, daquelas que nunca são ventiladas na hora de amealhar votos.
É o típico efeito de Robin Hood ao contrário – na lenda, o fora da lei tirava dos ricos para entregar aos pobres. Por aqui, os dentro da lei fazem o contrário.
Como se trata de algo que ainda ocorrerá, esperemos que a sociedade, ainda aprendendo a se mobilizar, faça o que fez com relação à PEC 37, que pretendia tornar o Ministério Público inofensivo. Diga não e pressiona os governantes e parlamentares para que não permitam tal despautério.
Tomara que o próprio Banco Central desminta isso, volte atrás, enfim, desfaça tal medida. É o mínimo que poderíamos esperar. O Brasil ainda não é um país em que predominem os interesses do cidadão, consumidor, contribuinte e eleitor.
A propósito, somos, cada vez mais, contribuintes, termo irônico e de mau gosto para quem banca todas as contas públicas, por mais absurdas que pareçam. Como os tetos salariais que, bem, não são tão tetos assim, frequentemente atropelados pela realidade.
Um dia, que talvez demore demais para o nosso gosto, autoridades não poderão mais decidir coisas dessa forma, intramuros, como se fossem atos rotineiros. A Constituição fez 25 anos recentemente, e houve comemoração, louvores e que tais. Mas ainda há uma longa jornada noite adentro, antes que as práticas públicas sejam essencialmente constitucionais e democráticas.
Que as compensações se destinem, efetivamente, a quem delas necessite, com foco no interesse da sociedade, e não de meia dúzia de felizardos. Elogiei, não faz muito tempo, o BC pelo Custo Efetivo Total (CET). É triste que tenha, agora, de criticá-lo tão incisivamente.