Antigamente, quando fechávamos as janelas e as portas de casa, desfrutávamos de uma privacidade que, nem de longe imaginávamos, nos deixaria saudade.
Hoje, somos localizados a qualquer instante por meio de dispositivos móveis de telefonia e de comunicação digital. E nossos dados trafegam por estradas digitais sem qualquer tipo de segurança.
Nossas vidas estão expostas sem que possamos nos defender desta vitrine indesejada.
Somos filmados, gravados e ‘hackeados’ o tempo todo, inclusive pelos Estados Unidos, como denunciou Edward Snowden, ex-analista de Inteligência da Agência de Segurança Nacional (NSA) daquele país.
Recebemos ligações em casa, à noite, em que nos oferecem produtos e serviços que não queremos comprar. Ou que, pelo menos, poderíamos adquirir em lojas físicas e virtuais de acordo com nossos interesses, sem a imposição do telemarketing.
Ao darmos busca na web, por exemplo, sobre um livro ou perfume, passamos a receber ‘sugestões de compra’, pois somos acompanhados por rastreadores de acesso a sites.
Condomínios residenciais e empresariais têm os números de nossos documentos de identidade, foto e, eventualmente, a impressão digital. É comum que tenhamos de informar nosso CPF nas mais diversas operações comerciais do dia a dia.
Nossos gostos são armazenados, cruzados com tendências de mercado e explorados de diversas formas, como o já citado telemarketing.
No artigo da semana passada, citamos o absurdo acordo de cooperação firmado entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Serasa Experian, envolvendo dados de 141 milhões de eleitores.
O que estará ocorrendo, então, com nossas informações abrigadas (ou desabrigadas) em outros órgãos públicos? Quem protege nossos dados bancários, fiscais e previdenciários?
Sinto-me um alvo em potencial, em meio a esta falta de segurança e de inviolabilidade de minhas informações. E você, caro internauta, não? Até porque algumas empresas já avisam, quando o usuário se cadastra para ter um e-mail, que suas informações serão partilhadas.
E quem não aceitar, terá de ficar de fora do mundo digital, algo impensável.
Ainda este mês, deverá ser votado o Marco Civil da Internet, que trata, entre outros temas, da inviolabilidade e do sigilo de suas comunicações pela web, salvo por ordem judicial. É fundamental que tal direito seja consagrado no texto a ser aprovado pelos parlamentares.
Agora, preocupa-nos, contudo, Projeto de Lei 331/2011, de autoria do senador Armando Monteiro (PTB-PE), que pretende excluir a responsabilidade solidária dos que consultarem bancos de dados para formação de histórico de crédito, quanto a danos materiais e morais causados ao cadastrado.
A responsabilidade, se aprovado este PLS, ficaria restrita ao banco de dados e à sua fonte. Isentaria, por exemplo, lojas que consultassem as informações, em casos nos quais não forem observadas disposições legais.
Sua aprovação seria um retrocesso para o consumidor e reduziria a proteção às informações cadastrais do cidadão. Mas, vejam só, já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Há que debater muito mais, portanto, estas questões que apontamos. Privacidade e inviolabilidade de informações e dados cadastrais são direitos fundamentais da cidadania. Não deveriam ser ameaçados constantemente.
Percebe-se, contudo, uma investida das lojas e bancos na direção de cadastros para ampliar o grau de informações que têm sobre nós. Na verdade, me pergunto se algum agente econômico ou governamental desconhece algo sobre nós.
O escritor britânico George Orwell, em interessante premonição do futuro, escreveu “1984”, que tratava de uma sociedade vigiada pelo Grande Irmão, superestrutura política de controle das pessoas.
Mal imaginava Orwell que o ‘Big Brother’ (não o programa de TV, mas o sistema de vigilância social), mais do que político, seria econômico e financeiro. O escritor, portanto, atirou no que viu, acertou no que não viu.