Uma vez pode ser coincidência, duas, uma interrogação, de três em diante, tendência. Foi o que aconteceu com a Serasa Experian, empresa de informações financeiras, a partir da última quarta-feira, dia 7.
Naquele dia, tomamos conhecimento, perplexos, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a quem caberia, conforme o próprio nome diz, tratar de assuntos relativos a eleições, havia firmado acordo para repassar dados dos eleitores à empresa que é mais conhecida, popularmente, por ‘negativar’ o crédito de consumidores inadimplentes.
A reação da opinião pública foi tão forte que a presidente do TSE, ministra Carmen Lúcia, criticou o, digamos, convênio, que, em sua opinião, não seria aceitável. Foi suspensa, então, a cooperação técnica.
Quinta-feira última, dia 9, a notícia era que decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) facilitaria a inclusão de consumidores com débitos não pagos em cadastros de inadimplentes.
De acordo com a decisão do STJ, referente a ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, a Serasa não terá mais de exigir, do banco, documento que comprove a dívida em atraso, antes de incluir o nome consumidor na lista.
O pior de tudo é que o STJ também isentou a Serasa de notificar o devedor a respeito da inclusão do nome na lista por meio de carta registrada com aviso de recebimento.
É evidente que tal decisão pode impactar não somente as atividades desta empresa, mas de outras que atuam no mesmo segmento, como Boa Vista e SPC Brasil.
Por que jogar tão pesado com o cidadão nas relações de consumo? Afinal, ele já é parte mais fraca frente às empresas, que abusam dos juros, taxas, multas e cobranças indevidas. Além disso, já há todo um arcabouço legal para proteção dos lojistas, fabricantes e prestadores de serviços.E onde fica o direito à informação?
Nem sempre, também, a cobrança é correta, em função de erros e até de práticas inadequadas, como a emissão de boletos sem que o suposto comprador tenha, efetivamente, adquirido o bem cobrado.
Foi por isso que se passou a exigir que as empresas responsáveis pela gestão de crédito informassem, previamente, ao consumidor sua inclusão em bancos de devedores.
Dessa forma, eles teriam condições, pelo menos, de comprovar que estavam em dia com seus compromissos financeiros, se tivesse ocorrido um equívoco ou má-fé.
Há outra situação a ser considerada: eventual perda de emprego ou de renda. Nem sempre há intenção de não pagar, e sim impossibilidade temporária, inclusive por problemas de saúde.
Ao ser informado de que terá seu crédito cancelado, a pessoa será estimulada a negociar com as instituições financeiras ou comerciais.
Seguindo a linha das ‘coincidências’, o cadastro positivo começou a vigorar no último dia 1º de agosto. Seria, segundo as empresas, uma forma de oferecer, ao bom pagador, menores taxas e maiores prazos em empréstimos ou financiamento de bens e serviços.
É curioso que, antes de o cadastro positivo ser aprovado, as companhias alardearam seus benefícios para quem paga as contas em dia. Mas o diretor-executivo da Boa Vista, Leonardo Soares, afirmou que os efeitos práticos não serão imediatos. Poderão ser perceptíveis em três anos.
Então, o ritmo é extremamente veloz na perda do crédito, e bem lento na concessão de melhores condições financeiras via bancos de dados de pagadores pontuais.
Todas essas questões não podem passar despercebidas. Temos de ficar muito atentos, pois a investida é, sem dúvida, aos direitos dos cidadãos. Não digo que TSE e STJ quisessem prejudicar alguém, mas sim que suas ações possam ter efeitos negativos para milhões de brasileiros.
Não se trata de defender calotes, pois dívidas devem ser pagas nas datas combinadas. Trata-se, isto sim, de reequilibrar a gangorra do consumo para que as pessoas não sejam jogadas para o alto.