Quênia, Indonésia e Uganda são os únicos três países em que não permitem investigação por parte do Ministério Público. Lastimavelmente, o Brasil talvez se torne o quarto da lista, se a maldita Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 for aprovada pelo Congresso Nacional.
É uma vergonha que tenhamos de conviver com tal ameaça. Mostra que nossa democracia não é tão avançada quanto supomos, no mínimo.
Não pensem, contudo, que somente as investigações criminais propriamente ditas retrocederão à idade da Pedra Lascada. Também os consumidores ficarão ao “Deus dará”, se o ministério público for alijado das investigações.
Afinal, em um país em que matar, bem, não parece gerar consequências mais sérias do que uma breve detenção, por que se averiguariam crimes contra o consumidor? Podem se esquecer disso se a PEC 37 vingar.
Aliás, o verbo é perfeito, vingar de vingança, porque o Ministério Público incomoda muita gente, principalmente políticos e autoridades que não respeitam a lei.
Escrevo sobre isto por este motivo. Não tenho dúvidas de que as relações de consumo sofrerão um colossal baque. Perderemos nós, cidadãos. Ganharão os de sempre, que se mobilizam para destruir as ações do MP.
O Brasil se tornará, em termos judiciais, um país de segunda ou terceira classe. Não por acaso, nem por desconhecimento. Propositalmente, para proteger os mais fortes.
Por que, então, deputados e senadores estão ao lado de tal PEC? Preciso explicar, mesmo?
É uma pena que os brasileiros não estejam tão preocupados com isto. Deveriam defender seus direitos, se mobilizar, pressionar os parlamentares, mas nada.
Talvez estejam somente de olho nos desdobramentos futuros da Copa das Confederações. Depois, não poderemos lamentar.
Tenho lido poderosos apoios ao abastardamento do MP. Não me surpreendo nem um pouco. Cada um defende seus interesses, por mais indefensáveis que sejam.
Os promotores públicos têm agido com determinação na proteção dos direitos que constam do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Quem sabe não estejam sendo punidos por causa desta atuação? Que abuso ficar ao lado de quem compra e paga por produtos e serviços, e não dos oligopólios e monopólios!
É assim que as coisas funcionam.
Uma das funções dos órgãos de defesa do consumidor é justamente apurar infrações como venda casada, comercialização de produtos impróprios e publicidade enganosa. A sanção penal, porém, depende da prévia definição legal do fato como crime, e a atuação do MP é vital nesse processo.
Nem é possível contar quantos avanços o consumidor brasileiro obteve graças ao trabalho do MP – por exemplo, na caracterização de abusos do sistema financeiro. Os termos de ajustamento de conduta se sucederam nos últimos anos, como ocorreu com o benzeno, substância cancerígena presente em refrigerantes cítricos e light. Graças à ação dos promotores, os fabricantes se comprometeram a reduzir o teor de benzeno nestas bebidas.
Também agiram pela retirada de substância cancerígena de esmaltes de unhas.
Pode ser que, no futuro, nada possam fazer. Limitados, emparedados, restritos, terão de ‘enfiar a viola no saco’, como se dizia antigamente.
Isso fará a felicidade de muitos que se sentem atingidos por eles. Que tipo de cidadão tem medo do MP? Preciso mesmo responder?
Pois é, estão tratando de tirá-los do caminho, em um episódio que mostra o quanto ainda temos a percorrer antes de contar com instituições públicas dignas de uma democracia.
Não digo que, se a PEC 37 passar, afundaremos de vez. Mas, certamente, demoraremos a voltar à tona. Será um passo ou mais para trás. De volta a um passado que não deixou saudade.
Lastimavelmente, demonstrará que ainda não temos condições de defender as conquistas institucionais que nos beneficiam.
Por acomodação, falta de musculatura democrática ou omissão. Espero que somente estejamos excessivamente preocupados e que nada disso se torne realidade. Que prevaleçam o bom senso e a democracia. Deixem o MP trabalhar em paz!