Relações de consumo e alteridade

Por Folha
É dura a vida de quem tem necessidades especiais de locomoção, ou dificuldades de audição e visão. Se o consumidor em geral já não é respeitado na justa medida, de acordo com a legislação vigente, imaginem o que sofrem aqueles que necessitam de investimentos em diversidade e alteridade para ter qualidade de vida.
Ainda há muitos locais sem uma rampa ou elevador que permitiria o acesso de um cadeirante, e sim com escada ou outro tipo de obstáculo injustificável.
Talvez as pessoas percebam estes cidadãos com limitações como exceção, o que é uma tolice muito grande. Milhões de brasileiros têm algum tipo de restrição física a seus movimentos ou ao uso dos demais sentidos. São, entretanto, pessoas que têm direitos iguais aos daqueles que não enfrentam estas dificuldades.
A maior evidência de que uma sociedade amadureceu é não tratar desigualmente as pessoas, não importa a natureza de suas necessidades.
São todos eleitores, contribuintes, consumidores, enfim, seres humanos. O que enfatiza eventuais dificuldades não são dificuldades de nascença ou adquiridas, mas a forma como os demais lidam com isso.
Além de todas as questões morais referentes a este tema, há os aspectos triviais, relativos ao bom senso. Se cerca de um quarto da população brasileira declara ter algum tipo de deficiência, não adaptar produtos e serviços para este público é jogar contra o mercado.
O que significaria isso? Fabricar produtos com informações que pudessem ser lidas inclusive por aqueles que tivessem dificuldades visuais. Investir em lazer que não dependesse da audição e visão plenas, com outras formas de comunicação, como, por exemplo, a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e o alfabeto Braille.
Diversão, cultura e conhecimento não devem ser exclusivos de quem leia, ouça e locomova com facilidade.
A possibilidade de ganhar a vida com um trabalho digno, também é essencial a todas as pessoas.
Uma nação não pode conviver com cidadãos pela metade, subavaliados pelos preconceitos ou indiferença dos demais.
O excelente ator Sean Penn recebeu em sua casa, nos Estados Unidos, o colega brasileiro Ariel Goldberg. Um profissional bem-sucedido que tem Síndrome de Down, o que não o tem impedido de exercer sua atividade artística.
De volta às relações de consumo: não é compreensível nem aceitável que nossos vizinhos, colegas, amigos e parentes sofram tal discriminação na hora de adquirir produtos e serviços.
Quantos audiolivros estão à venda nas livrarias?
Quantos vendedores conseguem se comunicar com um consumidor que não ouça bem? De que maneira agem quando as pessoas têm outros tipos de necessidades ou levam mais tempo para expor seus interesses?
Imagino que, à medida que evoluirmos como coletividade, este preconceito seja substituído por uma visão mais igualitária da vida.
A definição de normalidade nos dicionários pode ajudar a entender o assunto aqui abordado. Normal é aquilo que é corriqueiro, comum, usual. Ora, um padrão pessoal não é, necessariamente, melhor do que algo menos frequente. É apenas aquilo a que estamos acostumados, e ponto.
Ainda temos muito de evoluir neste sentido. Um mundo mais justo e adequado à vida de bilhões de pessoas não pode ser discricionário.
Você, que se queixa das dificuldades para ter sucesso no mundo dos negócios, talvez não esteja tratando bem clientes em potencial, por não oferecer o tratamento diferenciado de que necessitem.
Além de cometer discriminação, está atirando contra o próprio pé, ao fechar os olhos para um imenso mercado.
As grandes mudanças sociais e comportamentais começam com pequenos atos. Facilite o acesso dos clientes que tenham alguma limitação ou dificuldade física.
Mude e ajude o mundo a melhorar. Você perceberá que agir corretamente também é um excelente negócio, além de ser a forma decente de fazer as coisas.