Brinde ao limite da propaganda de cerveja e álcool

Por Folha

A decisão da Justiça Federal de Santa Catarina, que proíbe propaganda de cerveja e vinho antes das 21 horas, deve ser analisada sob dois pontos de vista: econômico e de combate ao consumo precoce de bebidas alcoólicas.

A minha conclusão é que os ganhos de reduzir um pouco a exposição de crianças aos comerciais destas bebidas serão amplamente superiores a qualquer queda na atividade econômica das indústrias de bebidas.

Sei que a decisão poderá ser revista por meio de recurso, o que não me surpreenderia nada. É só nos lembramos da resolução emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a propaganda de alimentos com altos níveis de açúcar, sal e gorduras. Foi vetada judicialmente, embora somente exigisse frases de advertências em produtos como chocolates, bolos, bolachas recheadas, salgadinhos e refrigerantes.

Isso demonstra que segmentos industriais fortes e suas associações conseguem, muitas vezes, sobrepujar interesses maiores, como o de diminuir a incidência de obesidade infanto-juvenil, com suas consequências terríveis: diabetes, hipertensão, elevação dos índices de colesterol ruim (LDL) e das moléculas de gordura (triglicerídeos).

No caso da cerveja e do vinho, como avestruzes, enterramos a cabeça na areia frente ao avanço do alcoolismo no Brasil.

Nesta quinta-feira, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) lançou portal (http://www.informalcool.org.br/), com informações relevantes para profissionais, gestores, consumidores, familiares ou amigos de quem ingere bebida alcoólica.

No site, está o programa “Brasil Beber Menos”, que, como o nome deixa claro, é um passo a passo para a redução do consumo de álcool.

Beber em demasia provoca muito mais transtornos do que os males à saúde – problemas cardíacos, do fígado, de imunidade, da boca, das vias aéreas etc. Uma das consequências mais graves, em casos avançados de alcoolismo, é a cirrose hepática, processo crônico de inflamações e fibroses, que leva à perda do órgão.

Mas há os problemas comportamentais, igualmente graves: acidentes de trânsito, com mortos e feridos; violência no lar; incapacidade de trabalhar; irritabilidade e difícil convivência social.

Por tudo isso, o abuso de bebidas alcoólicas é ainda mais grave na infância e juventude. Em muitas situações o processo de crescimento ainda não foi concluído, e isso se soma, negativamente, à inexperiência e imaturidade.

Nem vou detalhar o que as doenças derivadas deste tipo de conduta causam de gastos no Sistema Único de Saúde (SUS), e portanto ao bolso de todos os brasileiros que mantêm esta estrutura médico-hospitalar via impostos. E aos planos de saúde privados, pois entra na conta da sinistralidade geral – gastos para atendimento dos segurados – que é dividida entre todos que fazem parte de um contrato.

Não acredito que a postergação do horário da propaganda e a proibição da associação a esportes olímpicos evitem que adultos tomem uma cerveja ou taça de vinho no final de semana.

Mas podem, isto sim, diminuir a carga publicitária sobre crianças, principalmente, que ainda não têm condições de separar o joio do trigo nesta área.

Espero, portanto, que a decisão ousada e correta do tribunal catarinense não seja cassada. E que sirva de estímulo para que legisladores e governantes se manifestem, por meio de leis e de portarias, para deter um problema que cresce rapidamente, ameaçando o futuro (e o presente) de milhões de famílias brasileiras.

Se prevalecesse sempre o interesse econômico, exclusivamente, ainda teríamos escravidão e trabalho sem carga horária máxima, repouso semanal nem férias anuais. Então, há que compatibilizar, em qualquer atividade produtiva, interesses financeiros e da sociedade. Simples assim.